AFINAL, QUEM CENSURA?
por Marcos Rolim
Após a apresentação do meu projeto de lei que pretende introduzir um Código de Ética da Programação Televisiva no Brasil, já foi possível perceber alguns movimentos dos donos dos impérios de comunicação. As primeiras reações dão conta da tentativa de classificar a própria iniciativa como uma "censura" que estaria, de toda forma, "violando o sagrado direito da liberdade de expressão". Ora, o projeto nada tem a ver com censura. Trata-se de uma proposição amparada pela experiência legislativa da maior parte dos países democráticos - notadamente na Europa ocidental, que procura responsabilizar as emissoras por violação dos valores morais que deveriam orientar suas programações.

Há aqui uma hipocrisia que precisa ser desmascarada: os grandes órgãos de imprensa estão cansados de produzir censura. Determinadas notícias simplesmente não são publicadas, seja por motivos de ordem política, seja para que se preservem os interesses corporativos das grandes empresas de comunicação, especialmente aqueles que as vinculam aos seus anunciantes ou parceiros.

Quando, em 1998, a ABC News vetou uma matéria sobre a Disney, da premiada equipe de reportagem de Brian Ross, nenhum dos "campeões da liberdade" ergueu sua voz para protestar. A história foi a seguinte: em março de 1998, o programa 20/20 da ABC levou ao ar uma matéria denunciando a exploração da mão de obra no território americano de Saipan. A matéria concentrou suas críticas na Ralph Lauren e na Gap, mas mencionou a Disney entre as empresas americanas que contratavam fábricas que violavam os Direitos Humanos dos operários. Na seqüência das investigações, os jornalistas descobriram que a Disney estava no centro do problema e que havia falhas de segurança bastante sérias em seu parque temático, já expostas no livro: "Disney: The Mouse Betrayed". Nesse momento, o diretor da ABC vetou a matéria. Detalhe: a Disney é uma empresa coligada à rede de televisão ABC News.

Histórias do tipo poderiam ser contadas aos milhares em todo o mundo, especialmente em países como o Brasil. Mas a falta de sinceridade quanto aos valores democráticos não pára por aí.

Na China, onde o governo do Partido Comunista impõe um controle estrito sobre os meios de comunicação e onde, em 1993, uma resolução governamental proibiu a venda de antenas parabólicas a particulares, os grandes empresários das telecomunicações estão dispostos a dançar conforme a música. Afinal, cerca de 100 milhões de assinantes de TV a cabo constituem "razões de mercado" fortes o suficiente para o arquivamento do discurso liberal. Assim, por exemplo, quando a Disney lançou "Kundun", um filme de Martin Scorsese sobre o Dalai Lama tibetano, Kong Min, alto funcionário do Ministério do Rádio, Cinema e Televisão da China declarou: "Somos resolutamente contrários à produção desse filme. Sua intenção é glorificar o Dalai Lama de modo que isso significa uma intromissão nos assuntos internos da China". Como a empresa levou adiante seu projeto, o governo chinês baniu por dois anos todos os filmes da Disney. Sabem como o banimento foi revogado? Com um filme feito sob encomenda para agradar as autoridades chinesas; essa foi a origem de "Mulan", um desenho animado "pra cima" baseado em uma lenda de 1.300 anos da dinastia Sui. The South China Morning Post descreveu o desenho como "a representação do heroísmo chinês e como o filme mais favorável à China que Hollywood já produziu". A iniciativa rendeu à Disney, também, a chance de iniciar as negociações com o governo chinês sobre um parque temático de U$ 2 bilhões em Hong Kong. Negócios assim aconselham os donos dos impérios de comunicação a exercerem na China sua "liberdade" de concordarem com o governo. Nessa liberdade, alías, eles são imbatíveis.

Marcos Rolim

http://www.rolim.com.br
 
 

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