DONA SILVIA

 por Carlos Gerbase

gerbase@terra.com.br





Conheço a dinâmica de uma campanha eleitoral há dez anos. Esta foi a minha quinta campanha (92, 94, 96, 98 e 2002), realizando programas de TV para o horário eleitoral gratuito. Posso afirmar, com certeza, que as pesquisas de opinião têm um papel importante na definição do clima geral que cerca cada candidatura. Quem está bem nas pesquisas sorri, abana para a torcida, tenta conter os ataques cada vez mais desesperados dos adversários e joga como se o seu time estivesse vencendo a partida. Quem está mal nas pesquisas ouve vaias, é obrigado a se desdobrar em campo para atacar e está muito exposto aos contra-ataques.

Na minha modesta opinião, as pesquisas deveriam deixar de ser publicadas duas semanas antes do dia da eleição, para diminuir o chamado "voto em quem ganha", mas parece que esta não é a opinião da maioria dos congressistas brasileiros. Então o quadro parece irreversível. A cada resultado insatisfatório, partidos e candidatos acusam as pesquisas de manipulação, e estas dizem sempre a mesma coisa: o resultado de uma pesquisa é o "retrato de determinado momento" de uma campanha.

Ou melhor, diziam. No histórico dia 23 de outubro de 2002, a diretora de planejamento do Ibope, Silvia Cervellini, afirmou no site "Terra": "O PT vai perder o governo do Rio Grande." Dona Silvia explica: "Lá (no RS), você tem o fato de que o PT é governo. Da mesma forma que eles se beneficiaram do desgaste do governo no âmbito nacional, eles estão sofrendo com o desgaste no âmbito estadual."

Esses fatos são verdadeiros: o PT é governo no RS e todo governo sofre desgaste. O que torna a declaração de dona Silvia histórica é o enterro do famoso "retrato de um momento da campanha". Dona Silvia decretou a inutilidade da câmara fotográfica do Ibope e assemelhados. Eles não fotografam mais nada. Dona Silvia virou um oráculo divino, e exterminou, com seus raios fulminantes de 23 por cento de diferença, o candidato que estava em segundo lugar.

Para quem não acompanhou os números do Ibope, aqui está uma cronologia simplificada:

 
Rigotto Tarso Diferença
11/10 - Ibope
57
35
22
18/10 - Ibope
58
35
23
23/10 - Sílvia Cervellini diz que o PT perdeu.
25/10 - Ibope
55
39
16
27/10 - Ibope
52
41
11
27/10 - TRE
50
45
5

 
Dona Silvia, neste histórico 23 de outubro, decretou, ao mesmo tempo, as mortes da democracia e das pesquisas. Para que votar, se o Ibope já decidiu a eleição? E para que pesquisar, se, quatro dias antes, não há mais possibilidade de virada? Dona Silvia parece propor a volta da ditadura, onde ninguém vota em ninguém e as pesquisas fazem o que deveriam fazer sempre: descobrir que marca de sabão em pó lava mais branco.

Há duas, e apenas duas, hipóteses para explicar o que aconteceu com o Ibope e a eleição gaúcha:

(1) HIPÓTESE “PARANÓIA DA CONSPIRAÇÃO” - O Ibope, contratado pela RBS, manipulou grosseiramente os números para beneficiar Rigotto, da seguinte maneira:

 
(a) inventou uma diferença muito maior que a real até dois dia antes da eleição, trazendo para Rigoto um número enorme de votos dos indecisos que sabem interpretar os números;

(b) declarou publicamente que a eleição estava decidida, contrariando seu discurso relativista e trazendo para Rigoto um número ainda maior de votos dos indecisos que não sabem interpretar os números;

 
(c) a partir da pesquisa de 25/10 fez os ajustes necessários para que a sua “previsão” e a vida real não fosse tão diferentes. É importante lembrar que, no primeiro turno, o Ibope acertou a pesquisa de boca de urna, e no segundo errou grosseiramente. A explicação: a diferença foi diminuída até um limite razoável entre a desonestidade descarada (como explicar uma queda de 18 pontos em 20 dias?; e a incompetência absoluta - errar a boca de urna e assumir que a metodologia sempre esteve errada).

Neste caso, fica a pergunta: quem, a partir de agora, vai contratar um instituto de pesquisa que é desonesto? Resposta óbvia: desonestos.

(2) HIPÓTESE “INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA” - O Ibope, contratado pela RBS, foi honesto e tentou realmente medir a intenção de votos dos gaúchos. Errou durante toda a campanha, mas especialmente no segundo turno, quando até na pesquisa de boca de urna falhou grosseiramente. Trata-se de um instituto feito por seres humanos, que podem falhar. Cabe ao Ibope explicar porque falhou tanto, enquanto a pesquisa do Correio do Povo, também feita por seres humanos, apontava para uma diferença bem menor entre Tarso e Rigotto e acertou, milimetricamente, a boca de urna.

Neste caso, fica uma outra pergunta: quem, a partir de agora, vai contratar um instituto de pesquisa que é tão incompetente? Resposta óbvia: incompetentes.

Uma última pergunta: será que a memória da sociedade é realmente tão curta, a ponto de esquecer o que aconteceu neste ano e permitir, daqui a dois anos, a volta das pesquisas do Ibope no Rio Grande do Sul? Creio que não. Mas o seu sucedâneo já está pronto para assumir o posto. Aposto que a CEPA-Ufrgs, que também errou feio, mas soube - até certo ponto - manter as aparências, será, a partir de agora, o oráculo oficial das eleições gaúchas. Quem votar, verá.