AS ARMAS DE DESTRUIÇÃO MACIÇA CHEGAM A BAGDAD
por Rui Namorado Rosa [*]
 

Agora que bombas e mísseis, as novíssimas armas dos arsenais dos EUA e do Reino Unido, são lançadas sobre Bagdad e outras cidades do Iraque, começou o longamente encenado acto de destruição maciça. Durante meses a fio fora-nos anunciado que o mau ditador teria armas perigosíssimas, para que estivéssemos preparados a aceitar, como o menor dos males, que o bom ditador fizesse uso das suas. Estas foram-nos ditas serem "inteligentes" (smart), precisas, cirúrgicas, com efeitos "colaterais" mínimos.

Na realidade, a intensificação da inovação e renovação dos arsenais militares, verificada nos últimos cinco anos, conduziu quer à recuperação de conceitos antigos, que haviam antes sido descartados por escrúpulo moral e por pressão da opinião pública, quer à invenção de novas armas, ainda mais terríveis do que as já conhecidas. A tendência observada combina a precisão relativa ao alvo, com acrescido alcance e com maior potência, os três factores sempre combinados.

Por outro lado, os comandantes políticos e militares das forças agressoras não têm pudor em "enaltecer" o enorme poder destrutivo que estão a pôr ao serviço dos seus planos de guerra. E as imagens aterradoras das noites iraquianas revelam de facto, em vista da cor das explosões, da dimensão e projecção vertical das colunas de poeira e fumo, que estarão a ser utilizadas potentíssimas e inovadoras armas, entre as quais "bombas explosivas de ar-fuel" (FAE), "bombas MOAB" (Massive Ordnance Air Blast), bombas e mísseis perfurantes e de profundidade, com cargas explosivas de centenas de toneladas equivalentes de TNT, cargas explosivas essas que poderão ser nucleares (mini-nukes) .

Depois, após os senhores da guerra entrarem em Bagdad, sob o olhar dos mortos-vivos, atrás deles virão enormes e pesadas máquinas que demolirão inúteis muros ainda erectos e terraplanarão os escombros fragmentados para, em "segurança", eliminarem as sub-munições dispersas ainda não explodidas e os últimos vestígios de vidas soterradas, a fim de serem construídos, sob a orientação de um general de cinco estrelas, os novos jardins suspensos de Babilónia.

Somos todos iraquianos. O presente sacrifício de Bagdad será exemplo e inspiração para que à escala planetária digamos "Não à Guerra" e encontremos os verdadeiros caminhos para chegarmos todos, sem mandantes e mandados, sem ricos e pobres, a um mundo novo.

BOMBAS E MÍSSEIS

Bombas são cargas explosivas (químicas ou nucleares) encapsuladas num invólucro de ferro, dotadas de um detonador e de asas aerodinâmicas (para controlo da queda ou voo). As bombas de "utilização geral" comportam uma massa de explosivo que é cerca de metade a massa da bomba; os seus efeitos combinam a onda de choque com a projecção de fragmentos; este tipo de bomba foi o mais largamente utilizado na primeira Guerra do Golfo. As "bombas de fragmentação" contêm até 20% da sua massa de explosivo; os danos são produzidos sobretudo pelos fragmentos ou elementos estruturais projectados. "Cluster bombs" são bombas de fragmentação especializadas, que projectam sub-munições tais como granadas, minas, etc. de modo a atingir finalidades específicas mais letais ou retardadas (CBU-87 é a principal arma deste tipo no arsenal norte-americano).

As "bombas de fragmentação", são evidentemente destinada a matar e não a destruir. E o seu "aperfeiçoamento" tem prosseguido. A versão JSOW, é uma "cluster bomb" desenvolvida pela Raytheon conjuntamente para a Força Aérea e a Armada; tem 500 kg e cerca de 4 metros de comprimento, transportando 145 pequenas bombas incendiárias que são ejectadas a 100 metros de altitude para se dispersarem sobre uma superfície com um hectare de área; foi testada "ao vivo" no Iraque em 25 de Janeiro de 1999; em 16 Fevereiro foram lançadas várias dezenas sobre o que foi afirmado serem instalações militares na "zona de exclusão aérea". [William Arkin, Washingtonpost.com, February 26, 2001]

"Bombas explosivas de ar-fuel" (FAE), foram desenvolvidas na década de 1960 pelos EUA e utilizadas no Vietname tendo em vista destruir abrigos subterrâneos e desflorestar o terreno. Este tipo de bombas foi "aperfeiçoado" e de novo utilizado sobre tropas entrincheiradas e sobre campos de minas na Guerra do Golfo. É também considerada uma arma de "guerra psicológica" em vista das dimensões do seu impacto. As FAE podem ser lançadas a partir de qualquer plataforma e sobre alvos muito diversos. Alguns outros países também já desenvolveram esta bomba; é o caso da Rússia e é o caso mais recente do Reino Unido. [Thermobaric Warfare, CND, 11 January 2001]

Este tipo de bomba consiste num contentor com uma substância volátil e em duas cargas explosivas; a primeira carga quando é despoletada a certa altitude produz a dispersão da substância volátil, de forma a esta constituir uma ampla nuvem de aerossol; a segunda carga explosiva produz depois a detonação da mistura ar-aerossol. Forma uma enorme e fulgurante bola de fogo e uma intensíssima onda de choque; no centro a pressão atinge inicialmente 30 atmosferas e a temperatura 3000 ºC; daqui o nome de bombas termobáricas que também lhes foi atribuído. Estruturas, árvores e pessoas sob essa bola de fogo são imediatamente esmagadas; a onda de choque propaga-se radialmente a uma velocidade várias vezes supersónica e gera à retaguarda uma forte depressão; esta súbita compressão-depressão é altamente destrutiva também; pessoas afectadas para além da zona letal e até uma distância que depende da altura da bola de fogo, ficam gravemente queimadas e intoxicadas pelos produtos da combustão e morrerão também.

Pelo seu poder destrutivo, esta bomba é comparável a uma munição nuclear de baixa potência sem contudo gerar resíduos radioactivos. Por outro lado, quando a segunda carga não detonar ou deliberadamente não for accionada, a nuvem de aerossol formada é altamente tóxica e resultará tão letal como uma arma química. Parece claro que as FAE se sobrepõe em alguns aspectos com as armas nucleares tácticas e com as armas químicas, pelo que a sua utilização deveria ser objecto de renúncia pela comunidade internacional.

Muito recentemente, surgiu o conceito de super-bomba convencional MOAB (Massive Ordnance Air Blast), a maior bomba convencional no arsenal norte-americano, com 10 toneladas, guiada via satélite, cuja detonação é tão potente que origina a ascensão de uma coluna de gás e poeira com semelhança à de uma explosão nuclear. Testada no início deste mês de Março, poderá estar já disponível para a ser utilizada nesta segunda Guerra do Golfo. [Robert Burns, U.S. Tests Massive Bomb Near Florida, Information Clearing House]

"Bombas sujas" ou Radiological Dispersal Devices (RDD) serão bombas com carga explosiva convencional cujo propósito é a dispersão de substâncias radioactivas; o seu efeito faz-se sentir no imediato e a prazo mais um menos longo, quando a acumulação no organismo humano de substâncias tóxicas e radioactivas ou de doses de radiação ionizante, provoca alterações metabólicas conducentes a doenças, sobretudo cancro e alterações genéticas transmissíveis hereditariamente. O termo foi introduzido em conexão com cenários de ataques terroristas, em que tais bombas seriam fabricadas com resíduos nucleares "roubados" ou "desviados" do ciclo de combustível nuclear que abastece os reactores nucleares; o surgimento recente do termo e a sua exploração mediática tem servido o propósito de intimidação e de condicionamento psicológico sobre o próprio povo norte-americano, tendo em vista alimentar uma opinião pública favorável a esse outro conceito de "guerra ao terrorismo".[Dirty Bombs, Blowback and Imperial Projections, Fran Shor, CounterPunch, June 12, 2002]

Todavia, os projecteis de "urânio empobrecido", desenvolvidos e testados na década de 1970 e que vieram a entrar no campo de batalha e a ter utilização maciça na primeira Guerra do Golfo em 1991, e mais tarde dos Balcãs também, são de facto do tipo "bombas sujas" por dispersarem substâncias radioactivas que, sendo inaladas ou ingeridas acabam por serem letais a prazo; são de facto armas químicas e radiológicas e ambientais também; e como armas ambientais, têm a prazo incidência sobre as populações residentes nos territórios contaminados. O urânio empobrecido foi "justificado" como sendo o material adequado (pela sua densidade e resistências mecânica e térmica) ao revestimento de projécteis com elevado poder de perfuração sobre alvos duros; na realidade as munições de urânio empobrecido penetram mais de um metro no solo e aí ficam não detectáveis no imediato até que a sua oxidação e dissolução contaminará o solo e a água; sobre um alvo duro o impacto dá origem a uma explosão pirofórica que gera uma nuvem de aerossol radioactivo que funciona como arma química e radiológica, até se dispersar e precipitar no solo que ficará contaminado também. O perigo do urânio é agravado pelo facto de, sendo predominantemente obtido como "resíduo" no ciclo de combustível nuclear, estará sempre acompanhado por vestígios de outras substâncias, algumas delas (como o plutónio) são ainda muito mais nocivas que o urânio. [US Dirty Bombs: Radioactive Shells Spiked with Plutonium, John Laforge, Common Dreams NewsCenter]

Não obstante a forte contra-informação da NATO, das autoridades dos EUA e de vários dos seus aliados nessas guerras, e mesmo da EURATOM (órgão da União Europeia), os estudos feitos pela Organização Mundial de Saúde e pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente nos teatros de guerra, outros estudos de instituições independentes, bem como declarações de várias sociedades científicas, acabaram por ou aberta ou "diplomaticamente" confirmar os efeitos nefastos já produzidos e os riscos pendentes sobre as populações nas áreas directa ou indirectamente afectadas no Iraque, na Bósnia e no Kosovo. Os seus efeitos são conhecidos pelos ex-combatentes das tropas agressoras como " síndroma do Golfo " e " síndroma dos Balcãs "; os veteranos dessas guerras constituíram as suas próprias organizações para fazerem valer os seus direitos e obterem tratamento médico adequado, pois que oficialmente as autoridades militares dos países com tropas agressoras recusam-se a reconhecer a existência ou a origem de tais síndromas. E nos territórios afectados, sobretudo no Iraque, onde foram lançadas 300 a 800 toneladas de urânio empobrecido, é conhecida a degradação ambiental e os gravíssimos problemas de saúde pública. Estes são de muito difícil eliminação, pelo que se requereriam continuado rasteio e acompanhamento médico e detalhados estudos epidemiológicos, todavia impossíveis de realizar num país submetido a embargo e a bombardeamento permanente sobre as "zonas de exclusão aérea" unilateralmente impostas pelos EUA e o Reino Unido.

"Armas de microondas" de alta potência são um dos componentes de uma categoria mais ampla conhecida como armas de energia dirigida.

O princípio das armas de microondas de alta potência é simples: um impulso de energia electromagnética é produzido e dirigido contra os equipamentos electrónicos do inimigo tendo em vista pô-los fora de serviço. O transporte de tais armamentos seria feito por meio de mísseis de cruzeiro ou de aeronaves não tripuladas em aproximação ao alvo.

A maior parte do trabalho do DOD dos EUA com armas de microondas de alta potência decorre na Base da Força Aérea Kirtland, em Albuquerque, Novo México, sendo a Raytheon a corporação contratada para o seu desenvolvimento e fabrico.

Artigos publicados recentemente especulam que as armas de microondas poderiam ser utilizadas caso os Estados Unidos viessem a invadir o Iraque. No início de Agosto de 2002, a respeitada revista Aviation Week & Space Technology publicou um artigo que afirmava que "espera-se que, em um ataque contra o Iraque, sejam utilizadas pela primeira vez armas de microondas de alta potência...". E o New York Post , August 14, 2002, citando oficiais militares não identificadas anunciou que um plano de batalha preliminar contra o Iraque "esboçado na semana passada para o presidente George Bush, sugere que se faça o uso mais intenso de guerra electrónica e psicológica da história - incluindo novas armas secretas de impulsos electromagnéticos para incapacitar todo o comando e estrutura de controle de Saddam Hussein". [George Edmonson, EUA podem usar armas secretas de microondas contra o Iraque , Cox News Service, Washington]

ARMAS NUCLEARES

Os EUA dispõem de milhares de armas nucleares ditas tácticas, isto é, para serem utilizadas no campo de batalha, inicialmente desenvolvidas durante a Guerra Fria para um eventual conflito em teatro de guerra em solo europeu. A Nuclear Posture Review (NPR) que chegou ao conhecimento público em Março de 2002, não abandona esse tipo de arma, pelo contrário alarga a sua utilização ao baixar o limiar inferior da sua potência até valores próprios de explosivos convencionais, e alarga-o também no sentido da sua utilização em projécteis com elevada capacidade de penetração. Admite ainda a o reinicio de testes nucleares, com as novas armas, abandonando a presente moratória e assim debilitando o Tratado de Proibição Integral de Testes Nucleares (CTBT) que os EUA aliás nunca chegaram a ratificar [ Mini-nukes, Bunker-busters and Deterrence: Framing the Debate , CD Terrorism Project, April 26,2002].

Os EUA não só foram a primeira e única potência que utilizou militarmente armas nucleares, como também nunca depois se comprometeram a não fazer uso delas em primeiro lugar; porém, desde a administração de Jimmy Carter havia-se comprometido a não lançar um ataque nuclear contra um país não nuclear, a menos que este país fosse agressor e em aliança com país terceiro detentor de armas nucleares. Porém, o subsecretário de estado John Bolton anunciou agora que os EUA haviam decidido abandonar essa garantia [ US Drops Pledge on Nukes; Won't Rule out Hitting Any States , Nicholas Kralev, The Washington Times, 22 February 2002].

Desde a década de 1950 que os EUA e a URSS dispunham de bombas nucleares e termonucleares (também conhecidas por atómicas e de hidrogénio, respectivamente). A bomba nuclear contém cargas de urânio enriquecido ou de plutónio que são reunidas e comprimidas por acção de uma carga explosiva convencional. A reacção de cisão nuclear liberta muita energia térmica e radiação ionizante e dispersa os produtos de cisão, fortemente radioactivos. Na bomba termonuclear, uma carga de plutónio é feita explodir (cisão nuclear) por acção da implosão de um invólucro de explosivo convencional; mas essa primeira explosão nuclear funciona apenas como espoleta; ela vai seguidamente comprimir uma camada envolvente de hidrogénio pesado (deutério e trítio), por sua vez encapsulada num invólucro exterior de urânio; à pressão e temperatura excepcionais produzidas pela explosão nuclear inicial, a carga de hidrogénio pesado é levada à fusão nuclear (processo ainda mais energético que a cisão); e esta, por sua vez, liberta um elevado fluxo de neutrões rápidos que produz adicionalmente a cisão do urânio que constitui o invólucro exterior. As bombas termonucleares atingem o equivalente a centenas de milhões de toneladas de TNT, uma quantidade de energia dantesca; produzem igualmente produtos de cisão radioactivos em abundância.

A " bomba de neutrões" é uma arma nuclear que se aproxima de realizar o objectivo de destruir vidas sem destruir os bens físicos. A Enhanced Radiation Weapon (ERW) ou bomba de neutrões, é uma variação simplificada da bomba termonuclear; a diferença construtiva essencial é ser desprovida de invólucro exterior de urânio; em consequência, o enorme fluxo de neutrões rápidos (e radiação ionizante) produzido na reacção de fusão do hidrogénio pesado é libertado; essa radiação tem elevado poder penetrante e é letal até centenas de metros de distância; a bomba tem o seu efeito mecânico substancialmente atenuado (reduzindo os danos físicos) mas mantém o seu poder letal (destruição de vidas). O teatro de operações para que foi pensado este tipo de arma foi a Europa central, na vizinhança da "cortina de ferro", e foi aí que foi instalada pelos EUA. No início da década de 1980 quer URRS quer a França desenvolveram, testaram e fabricaram também bombas de neutrões. Porém, em meados da década de 1980 os EUA anunciaram a retirada de tais armas e a URRS e a França a renuncia à sua instalação. A situação actual é incerta. [ What Ever Happen to...? The Neutron Bomb , Spectrum Magazine, January 1991; The Neutron Bom, Nuclearfiles.org, 2002]

ARMAS PERFURANTES E DE PROFUNDIDADE

O enunciado de ameaças de armas químicas e biológicas, com ênfase no que respeita a respectivas instalações de fabrico ou de armazenamento, tem servido de pretexto para o desenvolvimento de armas com poder de penetração, precisão e potência conjuntamente elevadas. Recentemente, o Hard and/or Deeply Buried Target Defeat Capability Program determinou o desenvolvimento do Advanced Unitary Penetrator (AUP) a ser utilizado pela Força Aérea (GBU-24 C/B) e pela Armada (GBU-24 D/B), bem como do Hard Target Smart Fuse (HTSF), detonador ou espoleta compatível com uma larga gama de armas, com microprocessador incorporado, capaz de funcionar em modos diversos (detecção de camada dura, detecção de vazio, ou integração da distância percorrida, tempo de atraso regulável).

EPW - Earth Penetrating Warheads são projécteis (ogivas, granadas ou bombas) com capacidade de penetração no solo antes de explodirem, lançadas de avião ou veiculadas por mísseis. A desaceleração do projéctil enquanto penetra o solo é tão rápida que a perfuração não tem grande alcance, porém a explosão no subsolo transmite muito mais energia ao solo e a onda de choque neste tem poder destrutivo a considerável distância (e profundidade). Assim, uma explosão de uma carga de 10 kton (comparável com a bomba lançada sobre Hiroshima) a um metro de profundidade multiplica por vinte a energia transmitida ao solo se a explosão ocorre acima do solo; o aumento da profundidade aumenta a transferência de energia para o solo mas já só moderadamente.

Aumentar a profundidade requer que aumente a velocidade do projéctil no impacto; essa velocidade está limitada pela resistência da cabeça do projéctil para que mantenha a sua integridade; Para aço duro sobre betão, a velocidade máxima será cerca de três vezes a velocidade do som; e a essa velocidade, a distância percorrida no solo será cerca de quatro vezes o comprimento do projéctil. Existem EPW portadores de carga nuclear, porém extremamente perigosas nas suas consequências (para além de "legítimos" alvos militares). A profundidade a que uma tal explosão deverá dar-se para prevenir que sejam libertados para a atmosfera os produtos de cisão radioactivos é muito superior à profundidade que qualquer projéctil possa atingir; e ainda que tal fosse possível, a libertação de tais produtos dar-se-ia em certa extensão através do canal de penetração; na realidade, uma tal EPW produzirá uma cratera e lançará para a atmosfera grande massa de rocha, poeira, vapor e produtos radioactivos.

Actualmente, os EUA têm operacionais duas bombas EPW com carga convencional, as GBU-28 e GBU-37; com forma tubular, o comprimento doze vezes o diâmetro (350 mm), têm 2 toneladas de massa, da qual 300 kg de explosivo; lançadas de avião, por gravidade adquirem energia cinética suficiente para atravessarem 30 metros de solo; ambas dispõem de um dispositivo de navegação com seu microprocessador e actuadores que movem palas aerodinâmicas tendo em vista "conduzir" a bomba para o alvo fixado; a diferença entre as duas é que a primeira é guiada com o auxílio de um feixe de luz laser e a segunda por um controlador de posição GPS; esta última poderá actuar sob quaisquer condições meteorológicas e de visibilidade. [ Earth Penetrating Weapons, Lisbeth Gronlund and David Wright , Union of Concerned Scientists, http://www.ucsusa.org/global_security/nuclear_weapons/page.cfm?pageID=777 ]

Mas os EUA dispõem também de bombas EPW com cargas nucleares, as B61-11; desenvolvidas ainda ao tempo da primeira Guerra do Golfo, tornaram-se operacionais em 1997; trata-se de uma adaptação de uma anterior bomba B61-7, com novo invólucro e sistema de navegação adicionado; com apenas 500 kg é bastante mais leve que a versão convencional GBU-28 e é um pouco mais curta; é também lançada de avião e o seu poder de penetração é cerca de metade; mas a sua carga, sendo nuclear é muito mais potente, de 0,3 a 340 kton. Uma tal bomba poderá destruir através da onda de choque um alvo duro localizado de 15 a 70 metros de profundidade. Sem esquecer que o outro resultado da explosão será a formação de uma cratera e a projecção de material na atmosfera. [ Mini-nukes, Bunker-busters and Deterrence: Framing the Debate , CDI Terrorism Project, April 26,2002]

Postos os constrangimentos decorrentes do Tratado de Proibição Integral de Testes (CTBT) assinado em 1996 (embora não ratificado em 1999), é de recear que tais armas, tendo como objectivo a destruição de alvos profundos, possam ser construídas e utilizadas sem terem sido testadas, como o director de Los Alamos Laboratory admitiu: "poder-se-á projectar e operacionalizar um novo conjunto de armas nucleares que não exigem testes para serem certificadas. (...) tais dispositivos simples seriam baseados num conjunto de testes nucleares muito limitado." Os respectivos riscos colaterais são imprevisíveis. [ Low-yield Earth-penetrating nuclear Weapons , The Journal of the Federation of American Scientists]

A Nuclear Posture Review (NPR), adoptada pela administração norte-americana em 2002, expressamente invoca as armas nucleares para conter e responder a um "largo leque de ameaças", incluindo convencionais, químicas e biológicas e até "súbitos desenvolvimentos militares"; nesta posição tudo parece ser passível de resposta via armas nucleares. Nas respostas militares incluem-se as RNEP, as armas com capacidade de penetração no solo de ainda maior alcance; obviamente é uma arma para ser utilizada fora do território nacional, ofensiva portanto. As consequências internacionais desta política militar são graves; em vez de, baseados no seu poderio nuclear, dissuadir o desenvolvimento de armas nucleares por outrem, os EUA ao banalizarem os explosivos nucleares e ao admitirem a utilização de armas nucleares contra países não nuclearizados, ao arrepio do tratado de Não Proliferação, estão a contribuir para que outros países façam desenvolvimentos semelhantes e para a proliferação das armas nucleares em geral.

A GUERRA NO ESPAÇO E GLOBAL

Os desenvolvimentos recentes da indústria armamentista e do arsenal militar norte-americano tem conferido progressiva importância à identificação de alvos e à condução de armas guiadas com o auxílio de aviões e satélites militares (incluído o Global Position System - GPS). A ideia é constituir um sistema de navegação e comunicação integrado à escala mundial com aplicação à identificação de alvos e à condução precisa de projécteis.

Bombas e mísseis assistidos por GPS foram utilizados pela primeira vez e já em larga escala (90% dos lançamentos) sobre o Afeganistão em fins de 2001. As JDAMS aí utilizados, são bombas fabricadas pela Boeing desde 1998, actualmente fabricadas ao ritmo de 1500 por mês; têm no máximo 1000 kg e alcance 25 km; consistem em bombas convencionais convertidas mediante a adição de uma cauda com asas e um sistema electrónico de condução e controlo; são guiadas por um microprocessador que recebe o sinal do GPS e o sinal dado por um giroscópio ou sensor inercial (IMU) a bordo, para actuar sobre as asas da cauda. As WCMD, fabricadas pela Lockheed, são "cluster bombs" convertidas também, mas com um sistema de condução baseado apenas no IMU (a precisão no alvo e o alcance são de menor importância no caso destas bombas particularmente mortíferas. As JSOW, fabricadas pela Raytheon desde 1999 e com uma actualização prevista no corrente ano, é também uma "cluster bomb" mas fabricada de raiz, guiada por GPS e IMU, com capacidade de planar por forma a ter um alcance superior a 60 km. A bomba/míssil JASSM é fabricada pela Lockheed e entra em serviço este ano; é guiada por GPS e IMU e propulsionada por motor de turbo-jacto; dotada de cabeça perfurante, combina elevada precisão (poucos metros) e longo alcance (mais de trezentos km). Estas armas são potencialmente vulneráveis a interferências radioeléctricas pelo que está em curso o desenvolvimento de dispositivos e medidas de segurança respectiva. [Michael Puttré, Satellite-Guided Munitions, Scientific Américan, February 2003]

O COMPLEXO INDUSTRIAL E MILITAR

As grandes petrolíferas norte-americanas contam-se entre as maiores corporações transnacionais do mundo. A Exxon é a segunda, a BP é a quarta, a Shell é a oitava, a Chevron Texaco é a 14.ª; só depois desta em 15.º lugar, a Total Fina Elf é a primeira petrolífera não norte-americana ( Fortune, July 22, 2002).

As maiores corporações produtoras de armamento são norte-americanas também. A Lockhedd Martin e a McDonnel Douglas são as duas primeiras; Northrop Grumman, General Motors e Hughes Electronics ocupam do quarto ao sexto lugares; em terceiro lugar está a britânica British Aerospace e em sétimo a francesa Thomson; e assim por diante. [Council for a Livable World, Arms Trade Oversight Project , 2002]
Destas corporações, a General Motors é, a terceira maior transnacional, na totalidade das suas actividades, e ocupa o quinto lugar no sector de armamentos e a General Electric, sendo a nona na totalidade das suas actividades, é a 22.ª no ramo de armamentos. E assim por diante.

Segundo o SIPRI Yearbook 2002 (SIPRI - Stockholm International Peace Research Institute), os gastos mundiais em defesa subiram 2% em 2001, chegando ao total de US$ 839 mil milhões, o que corresponde a 2,6% do PIB mundial e representa um gasto de US$ 136 por habitante e ano. O crescimento registado desde 1998 contrasta com a contínua redução ocorrida de 1987 a 1998, período em que os gastos da NATO desceram 40%. Os EUA são os primeiros exportadores mundiais, seguidos da Rússia, Reino Unido e França, por esta ordem. Em 2001 a indústria armamentista russa aumentou as exportações em 24%. Na lista dos importadores, a China aumentou as suas compras em 44% relativamente a 2000.

Os cinco países que actualmente têm os maiores orçamentos militares são, por esta ordem: EUA (com 36% do total), Rússia, França, Japão e Reino Unido que, em conjunto, são responsáveis por quase 60% da despesa mundial neste sector - US$ 770 mil milhões. Estas despesas reflectem-se, em particular, no domínio aero-espacial: Washington tem cerca de 110 satélites militares activos e a Rússia tem cerca de 40 enquanto outros países têm cerca de 20 ( Folha de São Paulo , 15 de Junho de 2002).

O orçamento militar dos EUA para 2003 foi incrementado em cerca de US$ 45 mil milhões, um crescimento anual superior a 10%, o maior verificado desde 1966 (no auge da Guerra no Vietname). A proposta do governo foi aprovada quase sem contestação. O incremento foi justificado para o desenvolvimento de aviões, navios e de armas, a manutenção e envio de tropas para o Afeganistão e para outros locais no quadro da "guerra contra o terrorismo"; as forças armadas totalizam 1.390.000 militares no activo e perto de outro tanto no conjunto pessoal civil do DOD e militares nas reserva. (Council for a Livable World, Fiscal Year 2003 Military Budget at a Glance , Washington, 2002).

E quanto ao ano fiscal de 2004, que começa em Outubro próximo, Washington pretende dar ao Pentágono US$ 380 mil milhões - mais US$ 15 mil milhões que em 2003 - num orçamento federal total de US$ 2,2 milhões de milhões. Os gastos dos EUA com defesa, no entanto, não ficam por aí: somando-se todas as despesas conexas de outros ministérios, o país gastará US$ 399 mil milhões em 2004, ainda sem contar o custo da segunda Guerra do Golfo. Com os aumentos anuais programados para os próximos anos, Bush quer fazer o orçamento militar chegar a US$ 483 bilhões até o fim da década. A China, que tem o segundo maior orçamento militar do planeta, gasta cerca de US$ 40 mil milhões anuais com suas Forças Armadas.

Entretanto, os maiores fabricantes de armamentos anunciaram ganhos resultantes do incremento das encomendas. A Lockheed Martin, maior fabricante norte-americana de equipamentos militares, anunciou um aumento de 11% nas vendas em 2002, atingindo US$ 26,6 biliões, com receita líquida de US$ 500 milhões. Em 2001 a empresa tinha perdido US$ 1 bilião líquido. A viragem na Lockheed foi suportada em muitos dos seus produtos básicos e rentáveis, como o caça F-16, e no aumento dos gastos do governo norte-americano em equipamentos de vigilância electrónica e em sistemas de controlo de mísseis. A Lockheed tem em carteira substanciais encomendas para aviões de combate para os próximos dois anos. (Leslie Wayne, The New York Times, February 2003 )

O desempenho também favorável da Raytheon, cujos lucros duplicaram no quarto trimestre de 2002, é atribuído ao aumento das encomendas de sensores, mísseis, radares e equipamentos electrónicos para aviões de combate, helicópteros de guerra e satélites, os quais estão sendo adquiridos em números crescentes pelas Forças Armadas norte-americanas. A linha de produtos da Raytheon inclui os mísseis Stinger e Tomahawk e o avião de reconhecimento Global Hawk, usado no Afeganistão ( Folha de São Paulo , 2 de Fevereiro de 2003).

O complexo militar e industrial, a cuja génese a indústria petrolífera se encontra intimamente associada, e para o qual a disponibilidade de petróleo é um "interesse vital", são uma realidade que hoje comanda a vida. Teremos, para nossa sobrevivência, que subverter essa realidade. Um sonho que comandará o mundo.
 


Publicado na revista eletrônica Resisitr em 22/03/2003. O original encontra-se em http://www.resistir.info.