COMO AS NOTÍCIAS SERÃO CENSURADAS NESTA GUERRA
por Robert Fisk, 25/02/2003
 

Os meios de comunicação empresariais americanos já manifestam a sua aprovação ao método de cobertura das forças americanas que os militares tencionam autorizar na próxima Guerra do Golfo. Trata-se agora de incorporar os rapazes da CNN, CBS, ABC e The New York Times entre os marines e a infantaria dos EUA. O grau de censura vai aumentar. Já não é preciso que o Pentágono faça cortes nos despachos dos repórteres. O novo sistema do 'script approval' (aprovação do original) imposto pela CNN - uma instrução aos seus repórteres para enviarem todos os seus textos a responsáveis anônimos em Atlanta a fim de garantir o saneamento adequado - sugere que o Pentágono e o Departamento de Estado não terão de se preocupar com o assunto. Nem os israelenses.

Na verdade, a leitura do novo documento da CNN intitulado "Memorando da política de aprovação do original" ("Reminder of Script Approval Policy") é de cortar o fôlego. "Todos os repórteres que estiverem preparando conjuntos de originais devem submetê-los à aprovação", diz ali. "Os conjuntos não podem ser editados até que os originais tenham sido aprovados... Todos os conjuntos originados fora de Washington, LA (Los Angeles) ou NY (New York), incluindo todas as redações internacionais, devem ser encaminhados à ROW em Atlanta para aprovação".

A data desta mensagem extraordinária é 27 de Janeiro. O "ROW" é um grupo de editores de originais em Atlanta que podem insistir em mudanças ou "equilíbrios" no despacho do repórter. "Um texto não está aprovado para ir para o ar a menos que esteja adequadamente marcado como aprovado por um administrador autorizado com duplicado para o gabinete de cópia... Quando um texto é atualizado ele deve ser re-aprovado, preferencialmente pela mesma autoridade que o aprovou na primeira versão."

Notem-se as palavras chaves aqui: "aprovado" e "autorizado" . O homem ou a mulher da CNN no Kuwait ou Bagdá - ou Jerusalém ou Ramallah - pode conhecer o pano de fundo da sua história; na verdade, eles conhecerão muito mais sobre isso do que as "autoridades" em Atlanta. Mas os chefes da CNN decidirão o caráter (spin) da história.

A CNN, naturalmente, não está sozinha nesta forma paranóide de reportar. Outras redes dos EUA operam igualmente sistemas anti-jornalísticos. E não se trata de falha dos repórteres. As equipes da CNN podem vestir roupas militares - você os verá vestidos assim na próxima guerra - mas eles tentam revelar alguma coisa da verdade. Da próxima vez, contudo, eles vão ter ainda menos possibilidade.

Para onde este odioso sistema conduz é evidente a partir de uma intrigante conversa ocorrida no ano passado entre o repórter da CNN na cidade ocupada de Ramallah, no West Bank, e Eason Jordan, um dos mais altos dirigentes da CNN em Atlanta.

A primeira queixa do jornalista foi acerca da história do repórter Michael Holmes sobre os motoristaas de ambulância do Crescente Vermelho que são repetidamente alvejados pelas tropas israelenses. "Nós arriscámos nossas vidas e andamos com motoristas de ambulância... durante um dia inteiro. Testemunhamos a partir da nossa janela na ambulância que estávamos sendo alvejados por soldados israelenses... A história recebeu a aprovação de Mike Shoulder. A história passou duas vezes e então Rick Davis (um executivo da CNN) matou-as. A razão alegada foi que não tínhamos uma resposta do exército israelense, apesar de termos declarado em nossa história que Israel acreditava que os palestinos estavam contrabandeando armas e pessoas procuradas nas ambulâncias".

A AMBULÂNCIA QUE DAVA TIROS

Os israelenses recusaram-se a dar uma entrevista à CNN, apenas uma declaração escrita. Esta declaração foi então inserida dentro do script da CNN. Mas foi rejeitada outra vez por Davis, em Atlanta. Só quando, depois de três dias, o exército israelense deu uma entrevista à CNN é que Holmes pôde passar a sua história - mas com a desonesta inclusão de uma linha dizendo que as ambulâncias foram apanhadas em "fogo cruzado" (isto é, que palestinos também atiraram a partir das suas próprias ambulâncias).

A reclamação do repórter era demasiado óbvia. "Desde quando nós submetemos uma história de reféns aos caprichos de governos e exércitos? Foi-nos dito por Rick que se não conseguíssemos um israelense na câmara não teríamos o material no ar. Isto significa que governos e exércitos estão indiretamente censurando-nos, e que nós estamos representando exatamente como eles querem".

A relevância disto é demasiado óbvia na próxima Guerra do Golfo. Acabaremos vendo um oficial do Exército americano negando tudo o que os iraquianos disserem se alguma reportagem do Iraque tiver de ir ao ar. Veja-se outra das queixas do correspondente de Ramallah no ano passado. Num material acerca dos danos a Ramallah após a incursão maciça de Israel em Abril de 2002, "já mencionamos logo na abertura da nossa peça que Israel diz que está fazendo todas estas incursões porque quer destruir a infra-estrutura de terror. Mas, obviamente, isto não era o suficiente. Fomos instruídos pelo ROW (em Atlanta) para repetir esta mesma ideia três vezes na mesma peça, apenas para assegurar continuávamos a justificar as ações israelenses..."

CENSURA COMPUTADORIZADA:
CLIQUE O BOTÃO NÃO APROVADO / APROVADO

Mas o sistema do "script approval" que desfigurou a cobertura da CNN ficou pior. Numa nova e ainda mais sinistra mensagem datada de 31 de Janeiro deste ano, o staff da CNN foi informado de que um novo sistema computadorizado de aprovação de textos permitirá "aprovadores autorizados marcarem os scripts (ou seja, as reportagens) de um modo claro e padronizado. Os EPs (executive producers) de scripts clicarão no botão colorido APROVADO a fim de mudarem a sua cor para vermelho (não aprovado) ou para verde (aprovado). Quando alguém faz uma alteração no script depois da aprovação, o botão mudará para amarelo". Alguém? Quem é este alguém? Ninguém disse isso aos repórteres da CNN.

Mas quando nos recordamos que após a Guerra do Golfo de 1991 a CNN revelou que havia permitido a "recrutas" do Pentágono estagiarem na sala de notícias da CNN em Atlanta, eu tenho as minhas suspeitas.
 
 


Original em http://argument.independent.co.uk/commentators/story.jsp?story=381438