O QUE DIZ PERLE, O "PRÍNCIPE DAS TREVAS"
por Maureen Dowd, The New York Times
 

WASHINGTON - É o mundo de Richard Perle. Nós estamos apenas lutando nele. O Príncipe das Trevas, um homem que prepara sintomáticos suflês e revolucionárias doutrinas preventivas com a mesma facilidade, obteve um triunfo no Instituto Empresarial Americano (AEI), na sexta-feira.

A crítica batalha por Bagdá ainda estava por vir, e faltavam algumas horas para começar o "choque e pavor" (os falcões, que tentam enviar uma mensagem ao mundo para que não se meta com os EUA, talvez preferissem um título ainda mais intimidatório para a campanha de bombardeios, tal como "Operação Quem é Seu Pai?").

Mas Perle, um assessor do secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, não pôde resistir a vangloriar-se preventivamente sobre prevenção, afirmando: "Um reconhecimento geral de que um alto propósito moral está se manifestando.

Milhões de pessoas estão sendo libertadas." A platéia conservadora na venerável "reunião do café forte" da era de Reagan (eles são machos demais para consumirem leite e açúcar) foi avisada de que o seu acalentado sonho de salvar o Iraque bombardeando o país estava a caminho.

A arrogante Doutrina Bush do "você se arrepende, nós decidimos", foi preparada antes de Bush e costurada nos últimos 12 anos por conservadores como Perle, Rumsfeld, Dick Cheney, Paul Wolfowitz, Scooter Libby, Douglas Feith e Bill Kristol.
A doutrina preventiva prefere coalizões "ad hoc", permitindo que os EUA não submetidos a restrições ataquem ameaças e potenciais ameaças. No AEI, Perle afirmou que, longe de agir sozinho, o governo Bush contava com uma coalizão "de mais de 40 países, e se expandindo" (incluindo aí a Micronésia, a Mongólia e as Ilhas Marshall).

Alerta - E ele já estava se adiantando a dar um alerta a outros regimes maldosos. "Estou bastante otimista de que veremos mudanças no regime do Irã sem nenhuma intervenção militar por parte dos Estados Unidos", disse. Michael Ledden, um dirigente da AEI que participou do mesmo debate, classificou o conflito no Iraque de "apenas uma batalha numa guerra mais ampla. O Irã é a mãe do terrorismo moderno".

Como Bush pai aprendeu, anunciar guerras santas pode ser arriscado.

Depois de questionado sobre a moralidade da operação Tempestade no Deserto, ele foi questionado sobre sua conduta após a guerra. Os críticos caíram em cima de Bush, que classificara Saddam de um novo Hitler, por ter deixado o mesmo Saddam arrasar os refugiados curdos e os xiitas que se levantaram contra o ditador iraquiano após o conflito.

Agora Perle, que exortou os Estados Unidos a lutarem com certeza moral, está sujeito a questionamentos a respeito de seus próprios conceitos sobre o que é certo e errado.

Stephen Labaton escreveu no The Times, na sexta-feira, que Perle estava dando assessoria ao Pentágono sobre a guerra, mesmo vinculado à Global Crossing, a falida empresa de telecomunicações, para ajudar a superar a resistência do Pentágono à proposta de sua venda a uma joint venture ligada a um bilionário de Hong Kong.

Comissão - O confidente de Rummy e Wolfy preside o Conselho de Política de Defesa, influente painel do Pentágono. É por isso que a Global Crossing concordou em pagar-lhe uma gorda comissão de US$ 725 mil.

A estrutura da comissão é especialmente suspeita, porque desse dinheiro, US$ 600 mil dependem da aprovação da venda por parte do governo (no acordo original, Perle também pediu à empresa que pagasse "refeições de trabalho", o que poderia aumentar seu valor, dado seu status de "gourmand" do Potomac à Provence, onde tem uma casa de veraneio no meio dos frouxos franceses).

Embora ele nada receba por participar do Conselho de Política de Defesa, Perle ainda está submetido às regras éticas do governo, que proíbem autoridades de obter benefícios financeiros com seus cargos. Perle e seu advogado disseram a Labaton que seu trabalho na Global Crossing não violava a ética porque ele não fez lobby pela empresa, e estava dando assessoria aos advogados dela.

Mas essa observação é frágil porque a Global tem tantos outros nomes importantes na sua lista de vendedores de influência que não precisa dos Guccis de Perle para fazer lobby nem de seu jogo de cintura na assessoria do processo. Seu nome sozinho poderia valer os US$ 725 mil se ele ajudasse a conseguir a aprovação do Pentágono.

Conferência - Suas convicções sobre o que é certo ou errado se estendem aos investimentos certos e errados. Na quarta-feira, participou de uma conferência do Goldman Sachs para assessorar os clientes do banco sobre as oportunidades que surgirão a partir da guerra, intitulada "Implicações de uma guerra iminente: agora, o Iraque. A Coréia do Norte depois?" Talvez Perle devesse tirar a coroa de louros da cabeça e substituí-la por um saco de papel.


O texto em português foi retirado do Estadão, mas o original (sim, do New York Times) foi publicado em http://www.nytimes.com/2003/03/23/opinion/23DOWD.html