NOMES DE RESPEITO
por Luís Fernando Verríssimo
 

O documento de 12 mil páginas sobre suas armas que o Iraque forneceu às Nações Unidas no ano passado foi censurado antes de ser distribuído, a pedido dos Estados Unidos, segundo o jornal alemão "Tageszeitung" (saúde!), citado pelo jornalista Alexander Cockburn, que é provavelmente o último stalinista vivo mas um bom catador de hipocrisias.

Cortados do documento: os nomes de todas as empresas, americanas, britânicas e alemãs na sua maioria, que venderam tecnologia de guerra nuclear, química e biológica ao Iraque antes de 1991, encorajadas pelos respectivos governos, apesar das proibições em tratados da época.

Nomes de respeito como Honeywell, Rockwell, Hewlett Packard, DuPont, Eastman Kodak, Bechtel. Saddam Hussein foi apoiado e armado pelos americanos quando era a alternativa secular preferível à teocracia hostil do Irã e Donald Rumsfeld o admirava, embora ele não fosse melhor caráter do que é hoje.

As empresas que armaram ilegalmente o Iraque tiveram seus nomes apagados do registro. Grandes empresas costumam ter sucesso em manter seus nomes fora dos prontuários. Há bons exemplos disso aqui na república da impunidade e da corrupção sem corruptores. Tente encontrar uma relação dos empresários que financiaram a Operação Bandeirantes de caça clandestina aos subversivos em São Paulo, durante a ditadura militar, por exemplo. Sem intenção de mexer desnecessariamente no lodo do passado, apenas como curiosidade. Ou uma lista das grandes empresas que se submeteram ao achaque semi-oficializado do P. C. Farias, durante o governo Collor, e também continuaram com nomes respeitáveis.

O governo americano já está escolhendo as companhias que vão reconstruir o Iraque depois da esperada devastação na guerra que começa. A maioria das favoritas na licitação, para um trabalho que custará estimados 20 bilhões por ano por vários anos, é de amigas da Casa Branca, ou você esperava que escolhessem alguma francesa? Exemplo, conforme um artigo recente no "Salon": a Kellogg Brown & Root, que pertence à Halliburton, que já foi dirigida pelo vice-presidente Dick Cheney, e que já lucrou bastante com o terror, construindo o campo de internamento de prisioneiros em Guantânamo, entre outras coisas. E a ubíqua Bechtel, uma firma de engenharia com sede na Califórnia cuja influência na política e na história americanas, desproporcional ao seu cuidadoso perfil baixo, vem de longe, e já alimentou várias teses conspiratórias sobre poder secreto.

Esperando a vez de pegar, literalmente, as sobras depois que o complexo industrial-militar faturar o seu com a guerra, está o complexo reconstrutor-militar americano, que confia em bastante destruição para não lhe faltar trabalho e lucro.

Mas são todos nomes de respeito.
 


Artigo publicado em Zero Hora, 20/03/2003; e O Globo, 21/03/2003. Original aqui, mas só para usuários cadastrados de Zero Hora.