REALITY FICTION
por Marco Antonio Schuster
 

Vai começar, ou já começou, mais um Big Brother Brasil. Giba Assis Brasil e Marisa Orth, ele no Não, ela na Revista da Net (cada um de acordo com sua popularidade)  reclamaram da falta de roteiro no programa, mas pouca gente ligou. Mas como o Giba tem amigos importantes, a Globo parece ter ligado, e inventou "O Jogo", que era metade com roteiro, metade sem. A idéia meio híbrida e sem atrações sádicas - como os "foguetes" - nem voyerismo, agradou pouco.

"O Jogo" foi uma experiência interessante porque era um "reality show" com texto. Todos os suspeitos e coadjuvantes interpretavam uma história. Já os investigadores baseavam-se nas tarefas que recebiam para agir, eram parte "real" da trama, moviam-se sem roteiro.

Uma cena do exemplo desta miscigenação de ficção e realidade é a entrevista dos "detetives"com a "prefeita" da cidade, uma dos suspeitos. Durante a entrevista, ela atende o celular - é o delegado, outro suspeito - e em seguida toca o telefone fixo, "atendido" pela secretária eletrônica. O recado deixado na secretária é mais uma pista. Os dois telefonemas estão no roteiro, mas a reação dos investigadores, não. A cidade era fictícia, como o seu cargo de Prefeito e os telefonemas, mas o prêmio (de "até R$ 250 mil")  era real, o desejo de descobrir o assassino era real, a emoção, o nervosismo e a tensão eram reais.

Em Big Brother, um grupo fica confinado numa casa durante dias, revelando opiniões, paixões, frustrações e caracteres. No máximo, o roteiro é indireto, quando os participantes repetem opiniões filosóficas e culturais expressas na novela das 9 ou no Domingão do Faustão. A emissora precisa intervir para animar um pouco aquela mesmice. (Uma vez, um canal de TV fechado transmitiu dez minutos de uma participante lavando a roupa num tanque. Emocionante).

A intervenção em "O Jogo" era permanente e condutora direta das ações. Cada opinião, cada ato dos participantes tem origem numa intervenção externa. O roteiro gerava uma reação sem roteiro.

A ficção sempre gera algum tipo de reação no leitor, ouvinte ou expectador. Em "O Jogo" gerava uma ação dentro da ficção. Uma ação diferenciada da "literatura interativa", mania do início da Internet. Nesta, o leitor-autor era capaz de mudar o centro da trama. Mas em "O Jogo" o assassinado já foi determinado previamente e a liberação de pistas acontecia para conduzir a um final pré-estabelecido. Os investigadores ficavam num espaço novo, entre o leitor tradicional e o leitor-autor da Internet.

Foi uma história policial inversa. A pergunta central não era pela identidade do assassino, mas, como fez a paródia "Assassinato por Morte", quem seria o detetive? Os outros seriam "assassinados" pelo criminoso.

É um diferencial em relação às histórias policias que cativam o público que pode ser um motivo de "O Jogo" ter desagradado. A TV passa, além dos seriados europeus e americanos, os não ficcionais, com nomes como "detetives médicos" ou "arquivos do FBI" relatando investigações reais, ressaltando a importância de um pelo de cão embaixo do tapete ou uma faca jogada no lixo, para comprovar um assassinato. A ficção perdeu esta exclusividade, mas continua soberba na capacidade apreender a atenção.

Eram as histórias policiais que sustentavam o roteiro indireto dos investigadores de "O Jogo", já que suas atividades são outras: universitário, escritor ou esteticista. Isto é, também eles estavam interpretando alguma coisa. O que torna tudo mais complexo ainda: bancavam os detetives, sabendo que não são, mas ficavam tensos, gritavam, se desesperavam e se assustavam sinceramente, porque roteiro surpreendia a cada instante.

Reagiam à ficção com gestos reais e, pior, não  podiam dar uma espiadinha no final da história para ficarem mais tranqüilos.

Mas isso foi pouco para prender telespectadores. Volta o Big Brother com custos de produção semelhantes a outros programas, mas bem mais baratinho na redação e no elenco.

Azar do Giba.
 

Marco Antonio F. Schuster - Jornalista
marcoschuster@portoweb.com.br
 
 


Quer saber mais?