ADEUS A PRAGA
por Tomás Creus
 

Caros amigos,
Feliz Natal e Ano Novo a todos.

Estou indo embora de Praga em poucos dias, justamente logo após o Natal. Foi uma experiência interessante, ainda que estranha, como convém à cidade de Kafka, Svankmajer, Meyrink e os vários alquimistas que por aqui passaram no reino de Rudolf II.

Kafka, claro, talvez mais ilustre personagem da cidade, virou nome de cafés e livrarias, embora ele seja, para todos os efeitos, um escritor alemão. Ou melhor, um autor tcheco judeu, que nasceu e viveu em Praga e escreveu no idioma alemão. Claro, antes da Guerra (a primeira), as fronteiras eram diversas, Praga era apenas mais uma cidade do grande Império Austro-Húngaro. Até que, em 1914, a Guerra começou. Ou, como sucintamente anota Kafka em seu diário: "2 de agosto: a Alemanha declarou guerra à Rússia. Natação à tarde."

Algumas pessoas perguntaram o motivo de eu ter vindo aqui a Praga, em pleno inverno (está neste exato momento nevando lá fora). A resposta curta é: para realizar um documentário sobre a cidade, como parte de uma residência artística parcialmente paga pela Unesco no Centro de Artes Contemporâneas de Praga. A resposta longa é muito complexa e bizarra para detalhar aqui. Digamos que vim, vi, e visitei lugares e realizei uma série de entrevistas com personalidades (bem, um artista plástico mais ou menos famoso e o rabino-chefe da cidade) e pessoas comuns, ou razoavelmente comuns, e algumas não tão comuns assim, mais imagens de diversas coisas também bastante comuns, isto é, estranhas para o olho alheio (perdão pelo cacófato - influência do idioma tcheco, talvez).

No inverno, Praga é bela mas melancólica e talvez até algo sinistra, apesar do fim do comunismo e dos turistas que continuam vindo e dos Mc Donald's e das lojas de souvenirs. Claro, a cidade também tem seu lado poético, quase bucólíco, por exemplo nos parques, quando árvores secas e retorcidas se movem ao vento uivante sob um céu coberto de nuvens negras, e, pousados nos altos galhos, os pássaros cantam - isto é, os corvos grasnam algo que soa ligeiramente como "Never more, never more".

Kafka, naturalmente, tinha uma relação conflituosa com a cidade, e procurou sempre partir daqui. Só conseguiu no fim da vida, praticamente para morrer. Agora a cidade é quase tão tranqüila quanto um parque temático, e assim serve aos interesses dos turistas que passam aqui um ou dois dias para preencher seus álbuns de fotos com monumentos e igrejas e castelos, como crianças que colecionam figurinhas do Pokemon. Mas quem mora aqui por um período mais longo sente certa atmosfera opressiva, e não sabe se deve atribuí-la ao clima, aos dias curtos, aos modos algo rudes dos tchecos (alguns, não todos), à herança do comunismo e sua triste burocracia cinzenta, ou simplesmente à tosca culinária tcheca, capaz de deprimir mesmo aos estômagos mais insensíveis (você já ouviu falar de um Restaurante Tcheco? Pois é, eu também não). Mas é apenas uma sensação passageira. A bem da verdade, os tchecos gostam de reclamar da vida, da política, da cidade, mas aqui - apesar das dificuldades - vêem-se poucos mendigos na rua, a vida não é tão cara, os mal-afamados conjuntos habitacionais da era comunista não são lá muito diferentes de qualquer prédio de apartamentos em qualquer outro lugar do mundo, inclusive Porto Alegre.

Somando tudo, foi uma experiência interessante, e o seu resultado (um futuro filme, com o material que filmei aqui em DV) está ainda longe de se prever. Agora vou para a Espanha, logo para a IItália, e depois, como estarei absolutamente sem dinheiro, volto ao Brasil, onde precisarei urgentemente de um emprego. Se alguém souber de algo, agradeço. Trabalho com cinema, publicidade, jornalismo, também sei cozinhar, lavar e passar.

Abraço,

Tomás
tcreus@terra.com.br


Ao contrário do Tomás, Kafka nasceu em Praga em 03/07/1883
e nunca esteve em Porto Alegre.
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