MARCOLA
COCA
COLA

por Jaime Lerner
jlerner@via-rs.net


Há uma ligação que vai além da semântica: Marcola é a bola da vez de chefão do crime. Antes era o Beira Mar, depois soubemos do Elias Maluco, quando houve toda a comoção em torno da captura e morte do Tim Lopes e agora o Marcola faz seu nome como o bam-bam-bam do terrorismo à brasileira. A comoção é grande e os jornais agora vendem que nem coca-cola E as soluções esquemáticas de como combater o crime nos são apresentadas de forma bem clara e didática, estatísticas comprovam a sua potencial eficácia. Até a tempestade amainar e voltarmos a nossa vida normal de cerca elétrica e guaritas em nossas casas, que nos dão a ilusão de segurança. Até a próxima comoção. E isso me faz pensar na responsabilidade. Não dos governantes, políticos, forças de segurança e todos os outros. Penso na nossa cultura de falta de solidariedade e atitude que brotam de uma consciência quase inexistente do que é ser cidadão, fazer parte de uma sociedade. Nosso egoísmo é míope, é burro. Não precisamos ser solidários por empatia ou altruísmo. Devemos ser solidários para não acordarmos um dia num inferno pior do que o presente. Imagino, como num exercício de ficção, o que aconteceria se as pessoas obrigadas a descer de um ônibus e vê-lo queimar protestassem com veemência contra o ato, no ato. Seria loucura, suicídio, pedir para morrer. Será? Será que a atitude de 40-50 pessoas em torno de 4-5, mesmo que estas portassem armas, não seria intimadora? Talvez não como um fato isolado, mas como regra, com certeza. O mesmo aconteceria com uma pessoa assaltada a luz do dia, no centro da cidade onde dezenas de outras passam depressa, com medo de se envolver. Cada individuo tem razão ao ter medo de se envolver, cada cidadão se condena a um inferno pior no momento que se recolhe ao comodismo de uma não reação. Não estou pregando aqui uma resistência “heróica” e desbaratada, nada no sentido de fazer a Lei com as próprias mãos. Na verdade não estou pregando nada, somente refletindo que enquanto o Brasil não renascer, não se reinventar como sociedade, vamos continuar derrocando e procurando culpados. E é uma tarefa que tem duas frentes: a pessoal de cada um de nós no seu dia a dia e a do esclarecimento para que tudo isso faça parte de uma consciência maior. Temos que mudar esta cultura de egoísmo, parar de construir couraças ao nosso redor para diminuir a banalização do valor da vida e a violência como conseqüência. O plebiscito do desarmamento foi uma ótima oportunidade perdida para começar de fato esta mudança. Mais uma vez o comodismo e o medo venceram e recuamos em vez de avançar. Um repúdio mais violento contra a corrupção de colarinho branco seria um outro momento, menos arriscado do que enfrentar a unha um incendiador de ônibus e talvez até mais eficaz, pois esses criminosos que ganham salários pagos por nós e não se arriscam a morrer em ataques frontais, matam mais gente, com seus desvios e maracutaias, do que os Marcola-Coca-Cola. Mas nos ensinam que o pagamento de propina a deputados é uma Crise Política e não um caso de polícia. Aprendemos então que política tem a ver com desvio de verbas. Essa é a função dos homens e mulheres que colocamos ali com nossos votos. E nos ensinam que não devemos reagir, quando abordados por um assaltante, entregar tudo para não entregar a vida. Aprendemos bem como os ratinhos do Pavlov, cada vez que toca o sino entregamos tudo. Mas não nos ensinam a pensar e agir como seres humanos que se organizaram um dia em sociedade para abandonarem a barbárie. E nunca vão nos ensinar. È bom a gente se tornar logo autodidata no assunto, ou abrir a porta para o caos.